Arquivo de outubro, 2010

3 historinhas

Publicado: 24/10/2010 por Dalton Campos em lady gaga parnasiana

I

Sem que me falte nada, ando nas ruas mal iluminadas pelas lâmpadas de mercúrio. Carrego nos bolsos, um pedaço de papel, um isqueiro, um maço de cigarros, poucos trocados e algum sentimento.
Um vapor de álcool sai pela minha boca enquanto me esforço para subir uma rua mais inclinada. Penso em Minas Gerais e seus morros mais íngremes e mais tristes, onde, quando mais jovem, carreguei muito mais que hoje.
O desejo que sinto agora não cessa. Não sem você aqui.

II

Praça da Sé, 1556. Um homem nu caminha sob o sol dos trópicos. Ele olha para os lados do Bela Vista, bebe um pouco de cauim e fecha os olhos. Ao abri-los novamente vê um tempo futuro, com costumes, homens e roupas estranhas.
Vê um deles sair de uma casa grande, que vai até o céu. O homem caminha para um lugar onde fica sentado o dia todo em frente a uma caixa. Ao fim do dia o homem se levanta e volta para o Bela Vista.
Assustado com o que viu, o índio pega uma flecha e tenta enfiar na própria cabeça.

III

Decidiu que a partir daquele dia seria um sósia do Elvis. Afinal tinham muito em comum, os dois eram alcoólatras. Foi até a 25 de março, comprou uns rebites, uma calça franjada, uma coroa e uma garrafa de Jack Daniels.
Está só esperando essa modinha do Restart passar para fazer sucesso.

invasões bárbaras

Publicado: 13/10/2010 por caio carmacho em lady gaga parnasiana

 

 

 

 

 

 

todos os habitantes do planeta saco
estavam cheios de suas vidas

ficavam meio encolhidos,
meio pálidos, assim pra baixo

discutindo as mudanças
para um futuro sustentável

guerras travadas, civilizações dizimadas
e nada

muitos esforços transcorridos a esmo
para minimizar a crise instaurada
até a descoberta de um novo mundo

um inóspito planeta chamado útero

não tardou para expandirem suas fronteiras
abrindo espaço para o mercado imobiliário
disputar cada milímetro a tapa

e a publicidade pouco democrática
ao invés de ajudar
só instigava

“garanta já seu pedacinho no paraíso”

mal sabem os entusiastas
que o sonhado gozo
tanto do lado de cá como do lado de lá

anda cada vez mais concorrido

reticente

Publicado: 04/10/2010 por caio carmacho em literatura de cordel

verão em algum lugar do mundo: todos de pé esperam o fuzilamento de um novo líder político. lancemos sobre esta personagem todos os clichês de 50 anos de guerrilhas para que a mitologia se expanda para a américa latina. sensação térmica 42º C na cela. o acusado repousa quieto, espera sua breve execução. entre um intervalo e outro, levanta-se e olha para um horizonte sugerido além do espaço dois por dois do confinamento. me aproximo do cárcere para trocarmos derradeiras palavras.

pergunto onde está o seu pensamento neste exato momento. ele me encara vagamente e pede uma bebida. vou até minha sala e trago uma garrafa de aguardente. o copo vai numa talagada. enquanto o observo, ele vai falando: penso em mamilos (pausa para curto pigarro), mamilos rosados. mamilos grandes e rosados como mangas maduras. que a leve carícia eriça. sabe ao que me refiro?

mais ou menos. nunca fui muito fã de peitos – respondo.

eis que ele, num negativo meneio de cabeça, prossegue: não estou falando de peitos, estou falando das auréolas que os coroam. mamilos são o nosso legado com o divino. imagine um peito sem mamilo. coisa horrível, coisa horrível.

tá, mas onde você quer chegar com isso?

lugar algum. me dá um cigarro?

depois de aceso, o prisioneiro volta-se novamente para um dos cantos da cela e com claro ar de profeta, me dirige o discurso: o que te motiva, coronel? qual o seu propósito de vida?

servir o meu país da melhor maneira possível.

tá, tá. mas tirando isso. o que faz você sair da cama todos os dias?

bom, já que você vai morrer mesmo, não vejo porque não ser sincero contigo…

certo…

a verdade é que… que… a verdade é que sou apaixonado por você. sua barba por fazer, seu nariz perfilado, seu peito largo, seu cheiro de macho.

eita porra!

e… e… quero que você viva o resto da sua vida em liberdade ao meu lado. estou disposto a tirá-lo daqui agora mesmo. meu carro está estacionado aí fora. basta você querer.

coronel…

o quê? o quê?

posso te dizer uma coisa, uma única coisa?

sim, claro-claro

a frase ecoou por toda parte, bem mais alta que os tiros que se ouviram na sequência dentro da cadeia antes do horário previsto da execução.

fui interpelado pela minha ação, ao ser flagrado beijando o réu morto todo ensanguentado.

com lágrimas nos olhos e miolos na camisa, declarei pálido meu triunfo: menos um poeta hétero no mundo.