Causos, Acasos e Deus – tudo com maíuscula

Publicado: 03/08/2016 por Flavio Pucci em Uncategorized
Era um mundo onde as pessoas acreditavam piamente em horóscopo. Sim, em horóscopo. Desses de jornal barato, de tabloide de bairro. Mas longe desse lugar ser aqui, ou aí, caro leitor ou leitora. Esse mundo acontece bem longe da nossa realidade.
Isabel vivia nessa realidade distante. Seu sonho, desde pequena, era arrumar um estágio no jornal do bairro, o Causos e Acasos. Era um jeito de aprender a escrever, virar escritora e conseguir uma vaga na sessão mais disputada do jornal: a sessão das estrelas, dos destinos, do horóscopo. Ela acreditava que transformando esse sonho em realidade, poderia começar a mudar seu bairro e quiá, mudar o mundo. O plano era ótimo.
Ficava imaginando o dia a dia desse ofício. Devia ser como brincar de Deus. Hoje, farei com que os piscianos sofram e com que os leoninos aprendam uma lição. Amanhã, os librianos farão a festa. Era só escrever para acontecer. Não conseguia pensar num trabalho melhor para si.

 

Pensou que para chegar lá, Isabel deveria seguir o que dizia as linhas daquela sessão. Todo dia pela manhã, pegava o jornal e ia direto para seu signo, Aquário. Era só ler com atenção, aguardar uma brecha, uma virgula, uma reticência. Ao encontrar qualquer sinal, bateria a porta do Causos e Acasos e tentaria uma vaga.

Depois de 2 meses, já meio descrente, pegou o jornal e leu a seguinte prece: “Hoje os peixes não estão para o mar, estão para aquário.” A primeira vez que leu, não entendeu direito se era uma mensagem para piscianos ou aquarianos. Será que era uma mensagem para os piscianos pensarem um pouco menor? Ou será que era a oportunidade dos aquarianos venderem o seu peixe?

Leu mais umas 15 vezes, até entender o que queria. Era de fato a hora de ir até o jornal e pescar essa oportunidade.

Isabel bateu na porta, arrumou uma entrevista e conseguiu o estágio. Chegou no jornal logo cedo e foi conhecer a área preterida. Chegando lá, encontrou uma sala repleta de computadores, máquinas e servidores. Nenhuma alma viva. Descobriu então que na verdade, quem escrevia as preces, quem escolhia vossos destinos era um programa de computador. Era aleatório.

Não era possível. Como assim? Ficou frustrada. Se trancou no banheiro e chorou. Chorou por meses até escorrer toda sua esperança. Percebeu então que tinha que deixar pra lá. Não tinha outro jeito. A verdade doía demais. Afinal, Deus era uma máquina. E o destino era totalmente aleatório.

Para superar isso tudo, decidiu que não valia a pena chorar. Dali pra frente se policiaria para não sofrer, não sorrir e principalmente não sentir porra nenhuma. Com dedicação e sorte, poderia chegar ao ponto de se transformar num computador. Sem sentimentos. Seria lindo. E só então, poderia começar a mudar seu bairro, seu mundo e tudo mais. Amém.

Infinitas Repetições

Publicado: 09/05/2013 por Flavio Pucci em Uncategorized
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Empolgado, não via a hora de treinar. Cruzei todos os equipamentos e cheguei na esteira. A TV estava ligada, o apresentador dizia algo que eu não consegui ouvir por conta da música. Que alívio. Aumentei o volume: do som e dos passos.

Meus problemas começaram a ficar pra trás. Mais um alívio. A música chegou ao fim e o cronômetro bateu os 20 minutos. Achei que estava bom e fui logo para as repetições, mais especificamente, para o pulley supinado (nome fresco para a já conhecida barra – no aparelho).

Que luxo. Puxo, empurro, puxo, empurro. A vida nem parece pesar tanto assim. Faço a primeira sessão alternada com agachamento. Até aqui tudo bem. Tomo o primeiro gole de água. Volto e completo 4 sessões de 10 movimentos para cada exercício.

Olho minha ficha e vejo o próximo passo. Segundo o que está escrito, terei que fazer infinitos movimentos de flexão de braço. Tenho então, meu primeiro contato com o infinito. Com o impossível. Segundo o instrutor, tenho que fazer o quanto aguento, por isso o simbolo de infinito. Faço uma, duas, três, quatro e começo a titubear. Completo a primeira sessão de 10 repetições quase morto. Vou ao bebedor. Tomo um gole de energia e volto. Mais 10, vamos lá. Termino as 4 sessões com a camiseta encharcada..

E aí, vai encarar o próximo? Escuto uma voz interior dizendo: você consegue. Faço mais algumas séries e percebo que estou mais em frente ao bebedor do que em qualquer outro aparelho. O suor respinga. O peso parece insuportável.

Percebo que meus problemas do dia a dia são automáticamente substituidos pelos problemas do cansaço. É o mental pelo físico e não se fala mais nisso. Negócio fechado. Negócio, na verdade, que fechei quando aceitei fazer agachamento afundo. Que bizarro. As pernas começaram a tremer e tive que interromper o exercício para mais uma sessão no bebedor. Tá virando rotina. 

Procuro uma esperança ao redor. Um olhar motivador, o treinador da academia fazendo sinal de positivo. Mas não encontro nada.

Até que, de repente, sem mais nem menos, começa a tocar a trilha do filme Rocky Balboa e… e…bom, se quiser saber como eu me senti naquele exato momento, é só começar a ler novamente este conto.

espírito natalino ou overdose de simone

Publicado: 11/12/2012 por caio carmacho em especial de natal
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D26

que seus parentes bêbados não destruam a mesa vomitem nas samambaias briguem no meio da ceia no meio da rua à porta do banheiro por causa de herança da opção sexual do time de futebol de um dos sobrinhos afastados que até pouco tempo atrás dividia o quarto com mais dois universitários de curitiba imagine só a cena sua vó chorando a morte do poodle da família dizendo que preferia morrer a ter que continuar os dias sem ele seu pai introspectivo registrando tudo ao mesmo tempo com a tekpix última geração profetizando que se o mundo não acabou no dia 21 foi por um erro de projeção mas que deste natal ninguém passará incólume enquanto os menores rasgam suas caixas e agradecem a graça recebida as bermudas e camisetas importadas da feirinha você suando feito um cavalo enchendo o cu de peru flertando com o decote daquela priminha adolescente de seios desenvolvidos e procurando as palavras certas para se desculpar com a noiva namorada a vida é assim mesmo meu amor todas as passas são uvas de águas passadas.

boas festas!

É poesia

Publicado: 10/08/2012 por Tomas Bueno em Uncategorized

hoje entendi que preciso da poesia

que estou com saudades do meu coração

careço da liberdade

estou farto das explicações.

 

a poesia não precisa de defesa

não clama por argumentação

como as melhores coisas da vida

a poesia simplesmente é

 

aquela conexão sem sentido

aquele sopro de vida nos pulmões

são as nuvens sem ciência

são os sabores sem receitas

as ações sem racionalização

a sabedoria sem o método

apenas beleza

não se ensina

não se demonstra

não se prova

apenas se prova

 

precisa de explicação

quem está preocupado em se defender

quem está amedrontado pelo mundo

quem está acuado pelo coração

quem teme o incerto

quem foge à luta

para ganhar a batalha.

 

nossas verdades

são verdades antes de ser razão

incendeiam nosso sangue

antes de buscar luz em nossa mente

 

abandonemos a ilusão

de que algo precisa ser entendido para ser

abandonemos a ilusão que a explicação

vem antes da verdade

busquemos a liberdade de viver o mundo

sem precisar entendê-lo

no dia que eu parar de fumar

Publicado: 30/04/2012 por caio carmacho em poema, realismo urdinário

não haverá fogos nem rojões
de torcidas organizadas e desorganizadas
não me ofertarão virgens para serem sacrificadas
não me convidarão para surubas ou festinhas vegetarianas
regadas a suco de laranja

no dia que eu parar de fumar
nenhuma estrela brilhará inédita no céu
nenhum feriado será decretado
nenhuma moção de aplausos acontecerá

ninguém reprovará minha loucura
ninguém recomendará terapia
ninguém dirá o que todo mundo diz

no dia que eu parar de fumar
me tornarei careta oficialmente
e dispensarei todo o álcool do mundo

e todos os poemas serão saudáveis
com o hálito fresco brotando
da boca, corpo e cabelos

no dia que eu parar de fumar
por maior que seja a minha vontade
o mundo não se acabará

Um dia (quem sabe) em Buenos Aires.

Publicado: 13/02/2012 por Flavio Pucci em realismo urdinário

O avião pousou, nós descemos. Apesar do sol, das nuvens e do calor, o clima era diferente. Sodas se transformaram instantaneamente em chimarrão nas mãos das pessoas. O aeroporto era em formato de alfajor. Redondo, mas com um cheiro que variava entre couro e azeitona. Um taxista de mullet que só sabia falar “Maradona” nos aguardava no saguão.

– Olá hermano, estamos indo para a nueve de julio, próximo a Café Tortoni.

– Maradona.

Entramos no taxi e começamos a reparar: Buenos Aires era sépia por natureza. Em tons de cinza, amarelo e burro quando foje, os prédios avançavam às ruas com uma arquitetura clássica e janelas arqueadas. Era como Londres, mas sem o chá. Tipo La paz, só que ao contrário.

Chegando no hotel, parecia armação, mas segundo um hóspede que passava, aquilo era totalmente normal e corriqueiro. Estavamos no centro de um musical “a la Mamma Mia”, só que sem câmera. O recepcionista vendia os diferencias do hotel em versos acompanhados de uma castanhola. “Este es lo gran hotel, é tanta qualidad, tanta hospitalidad, o que diria Gardel?”

Olhei para o lado a procura de um pouco de dignidade. Não encontrei. Encontrei casais bailando tango. Homens de terno e mulheres de meia arrastão. Pedi una cerveza. Até que o cantor chegou perto da gente, com seu rabo de cavalo, proferindo seu último verso enquanto entregava a chave do nosso apartamento: “Tengam um bon dia, aproveiten la estadia.”

Fomos correndo para o quarto. Tomamos banho, e saímos atrás de um almoço que nos fizesse esquecer aquele pesadelo todo. Entre ancho, ojo de bife, dulce de leche e empanadas, ficamos com todos. Com uma puta indigestão também. Antes ela do que aquele show todo.

Tomamos um remédio e deitamos. Ficamos quietos no apartamento, quando bateram na porta. Ouvi sons de castanhola. Fudeu. Fizemos silêncio. Arromabaram a porta.

Acordei, liguei pra ela, e já era dia de conhecer Buenos Aires de verdade. Fui.

compêndio de dezembro

Publicado: 20/12/2011 por caio carmacho em página virada

não andei de bicicleta. não entrei na academia. não parei de fumar.
não pratiquei paraquedismo nem magia negra. não li muitos livros. não roubei bancos, bêbados ou bêbados em bancos.
não comi manga do pé. não matei pessoas, só piolhos de cobra.
escrevi alguns poemas que não serão lembrados por muitas pessoas no ano que vem.
dei risadas e bebi moderadamente. apesar de pouco, o sexo foi bom. não tive filhos nem adotei bichos.
ouvi coisas bregas. chorei por qualquer motivo. vi muitos filmes e engordei como o previsto.
não tirei a carteira de motorista nem saldei os empréstimos pendentes. comprei a máquina de lavar dos sonhos com sistema anti-rugas e ozônio e fui uma vez ao dentista (missão cumprida).
o mundo não se acabou e acho que isso é bom.
não gosto das coisas que acabam e deixam garrafas de cidra na areia. prefiro um início propício às reticências.

O sexo das Barbies II

Publicado: 20/12/2011 por Flavio Pucci em Uncategorized

(porque o primeiro “Sexo das Barbies” está aqui e foi objeto de estudo para este)

Não achava que isso fosse verdade, mas era. Enquanto os comandos em ação faziam guerra, travavam batalhas, as barbies faziam sexo. Ou amor, se isso te dói.  Ken, o grande responsável por tudo isso, cheirava responsabilidade, transpirava segurança e maturidade. Nossa única defesa contra este exemplo de macho alfa era xingá-lo de bicha. Enchíamos a boca com toda nossa raiva e falta de argumento para dizer: o Ken é um viado.

Assim como aqueles caras mais velhos do colégio. Que as meninas amavam. E a gente jogava bola. Que as meninas veneravam. E a gente batia bafo, Que as meninas paqueravam. E a gente jogava Contra III. Tudo um bando de bicha.

Mas de algum modo, isso era muito importante para a preservação de nossa espécie. Enquanto nós brigávamos e matávamos guerreiros. As meninas cuidavam do equilíbrio, trabalhando a natalidade infantil. Nasciam bebês que choram, falam, andam de patins e soltam bolinhas de sabão. “What a wonderfull world!”

Nós crescemos e elas também. Aprendemos muito com nossas diferenças. Mas ainda curtimos fugir um pouco pra infância e encontrar o xis, o bolinha e o quadrado prestes a serem pressionados.

Bom, que elas continuem tendo filhos e que nós continuemos vencendo batalhas! E se cruzando nas horas vagas.

beleza de excreção

Publicado: 08/11/2011 por caio carmacho em Demônios Interiores

uma ideia segue fixa em minha cabeça: a beleza nasceu com a mulher e não há nada de genial nessa constatação. digo isso porque nós homens, por maior que seja a vontade e vaidade, não nascemos totalmente abertos à natureza do belo. nascemos para observar e cobiçar nem que seja secretamente, o que é extraordinário e excepcional. com o tempo e algum treinamento, apuramos o olhar sensível sobre a matéria da vida e fazemos a arte que nos cabe. considero essa transição essencial para entender um conceito básico sobre a beleza: a verdadeira beleza é desprovida de perfeição. mulher perfeita não é aquele mar de coxa, aquela serra de bunda, aquela cachoeira de peitos. não são os pés mínimos, a tatuagem estratégica, a maçã na boca. não é a vingança, a razão sem limites, os olhos marejados, a roupa da estação e sequer os dotes culinários (cada vez mais raros). a mulher perfeita é comum e padece do bem e do mal universal: expressão e rabisco, rescaldo de incêndio, sangue e carnaval. a verdade dói e muitos amigos não gostariam de acreditar neste fato verídico, mas toda mulher caga. e por mais que algumas neguem, até isso, até isso, é lindo.

o anti-thriller da vida doméstica

Publicado: 28/09/2011 por caio carmacho em pegaeu spielberg

tudo começa com o alarme do celular tocando estridentemente. as cortinas dos olhos se abrem e o filme tem início. dois atores dividem a cama e a cena. a personagem feminina levanta enquanto a personagem masculina permanece imóvel e negligente à vida. a personagem feminina que atenderá daqui em diante por valentina, vai ao banheiro, escova os dentes e cabelos, troca a roupa e em 15 minutos, está com a bolsa em riste. dá um beijo na personagem masculina que por motivos não muito relevantes chamaremos de jorge, e vai labutar. jorge por sua vez, dorme mais três horas. acorda assustado com o relógio e vagarosamente se desloca até o banheiro, acende o cigarrinho matinal, se masturba, checa e-mails, responde mensagens e só depois de todo este processo espiritual, mete o pé na rua. ambas as personagens saem do cenário primordial. horas depois se reencontram, ainda que a ausência de maquiagem denuncie um cansaço mútuo. o assunto inexiste, aliás, toda a trama poderia ser classificada como que extraída da fase decadente do cinema mudo. então, quase como um sinal, o porta-retrato cai no chão e o casal vira expectador deste inútil suicídio. eis que jorge rompe o silêncio: POLTERGEIST! e valentina: eles voltaram! ambos se abraçam, a tv liga sozinha e sintoniza de forma demoníaca, o canal do shoptime.