Nova vida e meia.

Publicado: 07/07/2010 por Tomas Bueno em diários de ronnie frank, Levemente Inspirado

Aquele dia não era um dia comum. O sol nascia diferente, mais forte. O vento era sentido mais fresco, os passarinhos cantavam mais afinados. Esse era o primeiro dia de independência, havia descoberto um novo mundo e decidira vivê-lo. Pediu as contas na empresa onde trabalhava, e o fez com a classe de quem nunca mais precisará daquele chefe inescrupuloso sem consideração pelas pessoas.

Vendeu o carro e comprou uma moto, se livrou daquilo que o segurava ao passado e levou consigo apenas algumas roupas, um cartão de crédito, e uma câmera Polaroid. Começou indo para o sul, para que quando chegasse lá, subisse a América pela costa oeste. O mundo era o seu playground.

Nos primeiros dias, parava nos lugares mais inusitados, tirava algumas fotos polaróides e enviava pelo correio para alguns amigos que deixara no porto. Pontes, cachoeiras, praias, montanhas, rios, asfalto, paralelepípedo, plantações. Sua vida agora era uma eterna degustação de tudo. Nunca levava nada, além de saudades.

Conheceu gente de todas as classes sociais, todas as raças, todas as idades em toda a situação. Bebeu com o riquinho dono do vinhedo e com o mecânico que concertara sua moto alguma das inúmeras vezes que ela quebrou. O mundo era cada vez menor para sua sede de experiências, de vida. Foi quando aconteceu Maíra.

A principio ficou dividido entre o amor e a liberdade. Mas logo lembrou da bela vida que levava antes de conhecê-la e decidiu nada o faria parar. Achou melhor deixá-la antes que fosse tarde demais. Já era tarde demais. Cada lugar que visitava era uma lembrança de um momento que não viveu com Maira. Cada cachoeira era um beijo que não aconteceu, cada canção, uma música que não dançou. E o que antes era excesso de vida, agora lhe faltava. Não conseguia viver a liberdade.

Voltou para Maíra, que para sua surpresa agora tinha um filho de 4 anos. Sim, era seu filho, Lucas, que nunca conhecera, era uma vida que brotara de seu amor, e que só agora tomava conhecimento. Vislumbrou tudo que poderia ter vivido com Lucas, os primeiros passos, as primeiras palavras, o olhar carinhoso, o amor quase involuntário. Em sua sede de vida, havia esquecido o que podia viver.

O tempo passou, Lucas cresceu com todo o amor dos pais, mas Maíra estava sendo consumida por uma doença que nenhum médico identificava. Juntos, ele e Lucas sofreram 2 anos o sofrimento de Maira, as dores incessantes, o fraco suspiro de vida que insistia em manter seu coração batendo. Mas naquela manhã de quarta-feira o sofrimento chegava ao fim . Maira deixara essa vida, o que ninguém esperava era que nesse mesmo dia Lucas sofresse um acidente na moto do pai.

Quando viu seu filho ensangüentado na cama do hospital, decidiu doar os próprios órgãos para salvar a vida de Lucas. A cirurgia foi um sucesso, mas o corpo de filho rejeitou os órgãos do pai e, nos exames, os médicos descobriram que Lucas não era seu filho. O chão caía, o teto desabava, as paredes ruíam, crateras se abriam, seu coração tentava saltar pela boca.

Passou 6 meses se recuperando da cirurgia, da morte de Lucas, de Maira e da descoberta de que seu filho era na verdade um filho bastardo que ele assumira involuntariamente. Pediu nova demissão, vendeu suas coisas novamente, comprou uma nova moto e no dia seguinte, o dia de sua partida, o sol brilhava de novo, os passarinhos voltavam a cantar. Partiu a viajar novamente com um sorriso no rosto e um rim a menos.

comentários
  1. Dalton Campos disse:

    “Se me fosse dado, um dia, outra oportunidade,
    eu nem olhava o relógio.
    Seguiria sempre em frente e iria jogando
    pelo caminho,
    a casca dourada e inútil das horas…”

Deixe um comentário